sexta-feira, 4 de maio de 2012

Álvaro de Campos por Maria Bethânia


Passagem das horas - Álvaro de Campos

"Não sei sentir, não sei ser humano,
não sei conviver de dentro da alma triste, com os homens,meus irmãos na terra.
Não sei ser útil, mesmo sentindo ser prático, cotidiano, nítido.
Eu vi todas as coisas e maravilhei-me de tudo.
Mas tudo sobrou ou foi pouco, não sei qual, e eu sofri.
Eu vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos.
E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.
Amei e odiei como toda a gente.
Mas para toda gente isso foi normal e instintivo.
Para mim sempre foi a exceção, o choque, a válvula, o espasmo.
Eu não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Eu não sei se sinto demais ou de menos.
Seja como for a vida, de tão interessante que é a todos os momentos,
a vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
a dar vontade de dar pulos, de ficar no chão,
de sair para fora de todas as casas,
de todas as lógicas, de todas as sacadas,
e ir ser selvagem entre árvores e esquecimentos."

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